"Travessia" - Grupo Grial de Dança

Análise do espetáculo “Travessia” do Grupo Grial de Dança

O espetáculo “Travessia” conta através do universo da literatura de cordel e de tradição oral decorada, ou seja, romances, pelejas e cantigas histórias com a intenção de nos levar aos primórdios das “contações de histórias” desde as pinturas em pedras até versões de histórias contadas pela oralidade e que segundo eles se perdeu no tempo.

“Travessia” é o segundo espetáculo da Trilogia em dança intitulada “Uma história, duas ou três” onde o Grupo Grial de Dança homenageia a memória de Dona Militana que foi a inspiração para a criação do espetáculo por seu legado artístico e cultural desenvolvido em vida.

Distribuídos num cenário aberto em forma de círculo com seis grandes toldos com tecidos crus com pinturas rupestres, que serviram de transparência para que ao fundo os bailarinos desenvolvessem performances ao som de percussão de maracatus. Os bailarinos transitavam livremente pelo chão onde, nós, o público, estávamos de pé. O público estava, assim como nas apresentações de cavalo-marinho, no terreiro de chão batido, ao redor, vendo bem de pertinho, o espetáculo tomar vida.

O ir e vir dos bailarinos por entre nós era constante, nós tínhamos que nos movimentar, éramos parte integrante de todo o evento. Pois eles agiam e nós reagíamos diante das ações criadas por eles. Ação e reação. A terceira lei de Newton provocou e criou uma nova coreografia feita pelo público presente e única de cada espetáculo. O público transitava, curioso, para entender, perceber e sentir as emoções que os bailarinos-atores-cantores estavam buscando transmitir.

Funcional, assim posso definir o figurino escolhido para os bailarinos, pois, ao mesmo tempo em que os bailarinos vestiram uma espécie de primeira pele, neutra, semelhante a um colam, para deixar os bailarinos seguros e sem medo de realizar os movimentos exigidos da coreografia, a segunda pele, ou vestimenta era fluida, livre, leve e solta!, permitia os bailarinos explorarem toda sua flexibilidade nos saltos, giros e expressões. Bailarinas com vestidos transparentes nas cores vermelha, bege e branca e bailarinos com camisas e calças nas cores vermelha, bege e marrom. Simbolizavam a terra, as origens. Os vestidos tinham umas listras pretas retas na horizontal e outros na vertical, podendo ser pistas da suposta “travessia” que cada ser escolhe para sua vida. A cantadeira trajava um vestido longo de destaque em tons marrons com discreto brilho. Maquiagem com destaque para olhos, cabelos curtos soltos e longos presos em rabo de cavalo.

A coreografia foi inspirada nas manifestações populares de dança do Nordeste como Cavalo Marinho, Coco, Maracatu e Capoeira com a linguagem da dança contemporânea. E com isso teve diversas linguagens de arte além da dança como o teatro e o canto. Pois havia um texto sendo dito além de canções com toadas e loas características do Cavalo Marinho. A apresentação cênica foi um misto de terreiros do interior de Pernambuco com o luar do sertão e ares cosmopolitas que deixaram a impressão de que qualquer um poderia entrar na dança, ou seja, que este espetáculo é uma riqueza da cultura nordestina de Pernambuco, mas que pode ser apreciada por qualquer indivíduo do mundo.

A iluminação buscou nos fazer sentir que estávamos sob o luar do sertão. Com delicada e exitosa idéia de brincar com as transparências nos toldos gigantes que se assemelhavam com totens onde os bailarinos pareciam fazer um culto aos deuses. Haviam vários tecidos porosos, pareciam telas maleáveis, vindos do alto se assemelhavam à um grande mosquiteiro, muito comum nas casas do interior, pois devido aos mosquitos se usa esse tecido como protetor no alto da cama. Parecia que esse mosquiteiro queria nos proteger quando era movimentado pelos bailarinos e ao mesmo tempo nos libertar quando era retirado. Uma simplicidade tocante.

Os bailarinos desempenharam com força e ao mesmo tempo leveza sublime seus papéis de brincantes contemporâneos. Bailaram, cantaram, oraram e festejaram com alegria, dor, paixão e fé os presentes da riqueza de uma cultura que deve ser sempre lembrada, orada e cultuada. A cantadeira intérprete Nice Teles me levou para o interior de Pernambuco onde durante as festas e comemorações de aniversário de São Pedro que também é aniversário do meu avô Pedro é comum as famílias se reunirem com amigos, visitantes e curiosos para cantar, rezar e orar em homenagem aos santos. Momento de muita emoção.

À direção do espetáculo em nome de Maria Paula Costa Rêgo e a todos envolvidos no espetáculo meus cumprimentos pelo resgate cultural e pujante inovação que não me permitiu piscar olhos um só segundo. Essa travessia irá além mar.

Ana Teresa Barros